domingo, 18 de dezembro de 2011

Rabiscos Noturnos: Conto de Natal




50 looks para arrasar no verão ou 70 makes de festas de fim de ano? Decidir sobre qual revista eu levaria para casa naquela quarta feira chuvosa era minha única preocupação no momento. Bom, isso além do meu cabelo, claro, que já espigava-se com a umidade. A gorda com a sobrancelha claramente desenhada já me encarava, impaciente, quando senti alguma coisa na minha perna esquerda. Ok: deve ser um cachorro. E molhado. Eu não particularmente curto animais, ainda mais quando estão com suas patas em minha nova calça colcci. Quando me virei, já esperando a visão do vira-lata, deparei-me com algo inesperado. Algo não, alguém. Os pequenos olhos negros encaravam a revista da Barbie, “desenhos para colorir”, de uma maneira que nem eu encararia o mais novo lançamento Balenciaga. A menina, que aparentava uns 6 anos, vestia roupas rasgadas e tinha cabelos encaracolados, longos e molhados. Mas a água parecia ser sua última preocupação. Seus olhinhos brilhavam, fazendo todas as luzes da véspera de natal parecerem fracas e sem graça. Ela aparentemente tinha esbarrado em mim sem querer, e nem percebeu enquanto eu a encarava.
- Moça, dá essa pra mim. – pediu.
- São 6,99. – respondeu a gorda, mal humorada, que estava mais para senhora.
A menina colocou suas moedas em cima da mesa, a mulher contou-as:
- Isso aqui dá 2,55. Dá pra comprar balinha, quer?
- Dê a revista pra ela. Eu pago. – retruquei.
A menina me olhou nos olhos, quase sorrindo. Agarrou o “presente” contra o peito e me agradeceu. Quando ela virava-se para ir embora, chamei:
- Ei, que tal um lanche?
Ela abriu um enorme e falhado sorriso, concordando com a cabeça. Fomos a uma lanchonete nada convidativa na esquina. Nessa hora, porém, seria difícil encontrar coisa melhor aberta.
- Como você se chama?
- É Lara.
- E o que você quer comer, Lara?
- Pode pão com presunto e queijo?
Pedi ao balconista que atendesse ao pedido de Lara, acompanhado de suco de laranja.
- E então, Lara, onde você mora?
- Aqui perto.
- Com sua mãe?
- Olha, tem cartela de adesivo! – ela disse, não desgrudando os olhos da revista.
- É verdade.
- Vou ter que mandar outra carta pra papai Noel, avisando que não precisa mais trazer o presente amanhã. Mas talvez não precise, já que ano passado ele esqueceu. Papai Noel tem muitos lugares pra visitar, sabe. A Ana não entende, e fica brava. Diz que não existe.
- A Ana está errada.
Lara comeu tudo bem rápido, não desgrudando os olhos do presente. Quando acabou, apressada, queria ir embora de qualquer maneira.
- Deixa que eu te levo.
Enquanto eu dirigia, indo à famosa rua que ela havia dado o nome, com uma destreza impressionante para a idade, deitou a cabeça no vidro do carro. Chovia forte. Ao passarmos por um viaduto, disse, apreçada:
- Tia, tia, para! É aqui! – Pela primeira vez na vida, fiquei feliz de ser chamada de “tia”.
Desceu do veículo apressada, protegendo a revista da chuva, mas deteu-se no meio do caminho, olhando pra trás. Voltou correndo, entrou no carro, que permanecia aberto, e me abraçou:
- Feliz natal, tia. Obrigada. Papai Noel não vai se esquecer da Ana esse ano.

Ainda observei-a debaixo do viaduto, encontrando-se com uma menina da mesma idade, que já dormia. Ainda vi Lara colocando a revista aos pés da “cama” improvisada da amiga. Então era isso. A Ana receberia algo, mas e Lara? Peguei-me nos meus pensamentos egoístas, querendo que a menina que EU havia conhecido ganhasse presente. Voltei lá no dia seguinte, e no outro, no outro, no outro... nunca mais vi Lara.  Ainda gosto de moda, e compro revistas de cortes de cabelo. Mas, finalmente, entendi o espírito do natal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Oi gente, os comentários são uma das forças pra que eu continue fazendo isso aqui : )