50 looks para arrasar no verão ou 70 makes de festas de fim de ano? Decidir sobre qual revista eu levaria para casa naquela quarta feira chuvosa era minha única preocupação no momento. Bom, isso além do meu cabelo, claro, que já espigava-se com a umidade. A gorda com a sobrancelha claramente desenhada já me encarava, impaciente, quando senti alguma coisa na minha perna esquerda. Ok: deve ser um cachorro. E molhado. Eu não particularmente curto animais, ainda mais quando estão com suas patas em minha nova calça colcci. Quando me virei, já esperando a visão do vira-lata, deparei-me com algo inesperado. Algo não, alguém. Os pequenos olhos negros encaravam a revista da Barbie, “desenhos para colorir”, de uma maneira que nem eu encararia o mais novo lançamento Balenciaga. A menina, que aparentava uns 6 anos, vestia roupas rasgadas e tinha cabelos encaracolados, longos e molhados. Mas a água parecia ser sua última preocupação. Seus olhinhos brilhavam, fazendo todas as luzes da véspera de natal parecerem fracas e sem graça. Ela aparentemente tinha esbarrado em mim sem querer, e nem percebeu enquanto eu a encarava.
- Moça, dá essa pra mim. – pediu.
- São 6,99. – respondeu a gorda, mal humorada, que estava
mais para senhora.
A menina colocou suas moedas em cima da mesa, a mulher
contou-as:
- Isso aqui dá 2,55. Dá pra comprar balinha, quer?
- Dê a revista pra ela. Eu pago. – retruquei.
A menina me olhou nos olhos, quase sorrindo. Agarrou o “presente”
contra o peito e me agradeceu. Quando ela virava-se para ir embora, chamei:
- Ei, que tal um lanche?
Ela abriu um enorme e falhado sorriso, concordando com a
cabeça. Fomos a uma lanchonete nada convidativa na esquina. Nessa hora, porém,
seria difícil encontrar coisa melhor aberta.
- Como você se chama?
- É Lara.
- E o que você quer comer, Lara?
- Pode pão com presunto e queijo?
Pedi ao balconista que atendesse ao pedido de Lara, acompanhado
de suco de laranja.
- E então, Lara, onde você mora?
- Aqui perto.
- Com sua mãe?
- Olha, tem cartela de adesivo! – ela disse, não desgrudando
os olhos da revista.
- É verdade.
- Vou ter que mandar outra carta pra papai Noel, avisando
que não precisa mais trazer o presente amanhã. Mas talvez não precise, já que
ano passado ele esqueceu. Papai Noel tem muitos lugares pra visitar, sabe. A
Ana não entende, e fica brava. Diz que não existe.
- A Ana está errada.
Lara comeu tudo bem rápido, não desgrudando os olhos do
presente. Quando acabou, apressada, queria ir embora de qualquer maneira.
- Deixa que eu te levo.
Enquanto eu dirigia, indo à famosa rua que ela havia dado o
nome, com uma destreza impressionante para a idade, deitou a cabeça no vidro do
carro. Chovia forte. Ao passarmos por um viaduto, disse, apreçada:
- Tia, tia, para! É aqui! – Pela primeira vez na vida,
fiquei feliz de ser chamada de “tia”.
Desceu do veículo apressada, protegendo a revista da chuva,
mas deteu-se no meio do caminho, olhando pra trás. Voltou correndo, entrou no
carro, que permanecia aberto, e me abraçou:
- Feliz natal, tia. Obrigada. Papai Noel não vai se esquecer
da Ana esse ano.
Ainda observei-a debaixo do viaduto, encontrando-se com uma
menina da mesma idade, que já dormia. Ainda vi Lara colocando a revista aos pés
da “cama” improvisada da amiga. Então era isso. A Ana receberia algo, mas e
Lara? Peguei-me nos meus pensamentos egoístas, querendo que a menina que EU havia
conhecido ganhasse presente. Voltei lá no dia seguinte, e no outro, no outro,
no outro... nunca mais vi Lara. Ainda
gosto de moda, e compro revistas de cortes de cabelo. Mas, finalmente, entendi
o espírito do natal.
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